ATA DA QÜINQUAGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA
SEGUNDA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM
10.12.1998.
Aos dez dias do mês de dezembro do ano de mil
novecentos e noventa e oito reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio
Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas e vinte e oito
minutos, constatada a existência de “quorum”, o Senhor Presidente declarou
abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a comemorar o Cinqüentenário
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do Requerimento nº
65/98 (Processo nº 802/98), de autoria do Vereador Antônio Losada. Compuseram a
MESA: o Vereador Reginaldo Pujol, 3º Secretário da Câmara Municipal de Porto
Alegre, presidindo os trabalhos; o Senhor José Vicente Tavares dos Santos,
Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul; o Major Irani Bernardes de Souza, representante do
Comando-Geral da Brigada Militar; a Professora Ana Lúcia Silva Tomazi, representante
da Direção Colegiada do SINPRO/RS; o Senhor Israel Lapchick, Presidente do Conselho
de Cidadãos Honorários de Porto Alegre; o Vereador Antônio Losada, na ocasião,
Secretário “ad hoc”. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em
pé, ouvirem à execução do Hino Nacional. Em continuidade, foram registradas
correspondências recebidas relativas à presente solenidade, enviadas pelo
Senhor Marco Antônio Becker, do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do
Sul, e pela Senhora Maria Luíza Moreira Moura, da Associação Gaúcha dos
Inspetores do Trabalho. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos
Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Antônio Losada, em nome das
Bancadas do PDT, PTB, PSDB e PPS, teceu considerações acerca da luta
desenvolvida no mundo atual em prol dos Direitos Humanos, em especial quanto às
iniciativas que contribuíram com o cumprimentos das garantias dos Direitos
Humanos no Brasil, analisando a situação observada nessa área em nosso País. A
Suplente Maristela Maffei, como convidada e em nome da Bancada do PT,
manifestou-se acerca da necessidade que os povos têm de construir sua história
de vida através de movimentos contra o empobrecimento cultural, a ruptura de
valores e a discriminação, ressaltando a responsabilidade de todos na
transformação da sociedade e das relações humanas. A seguir, procedeu-se à
apresentação do Coral das Crianças do Colégio Concórdia, que interpretaram as
músicas “Hino dos Pequenos Cantores”, “Exultai, é Natal” e “Semente do Amanhã”,
sob a regência do Maestro Moisés Dornelles e coreografia da Professora Ana
Cristina Alves. Em continuidade, foram apresentadas as músicas “Coração Civil”
e “O que é?”, interpretadas pela vocalista Valência Losada e pelos músicos Alex
de Souza e Rodrigo Delacroix. Na oportunidade, o Senhor Presidente registrou a
presença da Senhora Judith Dutra, esposa do ex-Prefeito e Governador eleito
Olívio Dutra e, após, concedeu a palavra ao Doutor José Vicente Tavares dos
Santos, que discorreu sobre a necessidade de evocação dos valores fundamentais
expressos pela Declaração dos Direitos Humanos. Em prosseguimento, o Senhor
Presidente convidou os presentes para o coquetel e a exposição alusiva à
comemoração dos cinqüenta anos da Declaração dos Direitos Humanos, instalada na
Avenida Cultural Clébio Sória. Após, convidou os presentes para, em pé, ouvirem
à execução do Hino Rio-Grandense, agradeceu a presença de todos e, nada mais
havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às vinte horas e cinqüenta
minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à
hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Reginaldo Pujol e
secretariados pelo Vereador Antônio Losada, Secretário “ad hoc”. Do que eu,
Antônio Losada, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata
que, após lida e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Reginaldo Pujol): Estão abertos os trabalhos da presente
Sessão Solene, destinada a comemorar o Cinqüentenário da Declaração Universal
dos Direitos Humanos.
Para
compor a Mesa, convidamos o Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Prof. José Vicente
Tavares dos Santos; o representante do Comando-Geral da Brigada Militar do
Estado do Rio Grande do Sul, Major Irani Bernardes de Souza; a representante da
Direção Colegiada do SINPRO-RS, Prof.ª Ana Lúcia Silva Tomazi; e o Presidente
do Conselho de Cidadãos Honorários de Porto Alegre, Dr. Israel Lapchick.
Esta
Sessão decorre do Requerimento nº 65/98 (Proc. 802/98), cujo proponente é o
Ver. Antônio Losada e destina-se a comemorar, assinalar e registrar o
Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Para
iniciarmos os trabalhos, solicitamos a todos para, de pé, cantarmos o Hino
Nacional.
(É
executado o Hino Nacional.)
A
presente Sessão Solene, requerida pelo Ver. Antônio Losada, mereceu aprovação
unânime deste Legislativo e justificou algumas correspondências que foram
endereçadas ao Presidente da Casa, Ver. Luiz Braz, entre elas: do Dr. Marco
Antonio Becker, do CREMERS, Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul,
em que acusam o recebimento do convite para participação desta Sessão Solene, e
lamentam pela impossibilidade do comparecimento em virtude de compromissos
anteriormente assumidos para esta data.
Da
mesma forma, um fax foi remetido à Câmara Municipal, em que a Associação Gaúcha
dos Inspetores do Trabalho dirige a seguinte mensagem:
“Senhor
Presidente, recebemos e agradecemos o honroso convite para participar da
comemoração do Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no
dia 10 de dezembro próximo. Face à impossibilidade de estarmos presentes,
deixamos nossa mensagem de esperança no cumprimento dos direitos elementares
elencados na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
(a)
Maria Luíza Moreira Moura, Presidente da AGIT.”
O
Ver. Antônio Losada, na justificativa apresentada à Casa, enfatiza que o que
aconteceu nesse dia 10 de dezembro de 1948, na Assembléia-Geral das Nações
Unidas - ONU - em sua 3ª Sessão Ordinária, quando foi elaborado um dos mais
importantes documentos produzidos neste Século. Refere-se à Declaração
Universal dos Direitos do Homem, cujos trinta artigos, embora careçam de
natureza jurídica coativa, constitui, nos termos do seu preâmbulo, o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e por todas as nações no tocante ao
reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana. Certamente,
sensibilizados por essa justificativa, apropriadamente colocada no Requerimento
pelo ilustre Ver. Anônio Losada, os Vereadores da Casa, por unanimidade,
acolheram o seu Requerimento, ensejando a convocação desta Sessão Solene que
agora se instala.
Concedemos
a palavra ao Ver. Antônio Losada, proponente da Sessão, que falará pela Bancada
do Partido dos Trabalhadores, a sua Bancada, do Partido Democrático
Trabalhista, do Partido Trabalhista Brasileiro, do Partido da Social Democracia
Brasileira, do Partido Popular Socialista e, também, em nome do Partido da
Frente Liberal.
O SR. ANTÔNIO LOSADA: (Saúda os componentes da Mesa e demais
presentes.) Sr. Presidente, é uma honra para nós falar, neste instante, do
Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O cenário que
preside a luta pelos Direitos Humanos no mundo ainda é um cenário adverso, de
dificuldades. Os povos da América Latina, da Ásia e da África vivem muito aquém
dos direitos humanos. A luta pelos direitos humanos não é só o enfoque de
presos e torturas, essa luta pertence a todos os segmentos da sociedade, às
mulheres, às mulheres trabalhadoras, fabris, comerciárias, às mães, aos
adolescentes, às crianças, aos idosos que são, - principalmente em nosso País -
muito desrespeitados. (Lê.)
“O
texto adotado pela Organização das Nações Unidas, ONU, em 10 de dezembro de
1948, estabeleceu os direitos naturais de todo ser humano, independente da
nacionalidade, raça, cor, sexo, opção religiosa ou ideológica.
Entre
esses direitos, destacam-se o direito à vida, à igualdade perante a lei e à
liberdade.
Apesar
de não se constituir numa lei, os princípios da Declaração fazem parte da
Constituição da maioria dos países e norteiam significativa parcela das
decisões deliberadas pela comunidade internacional, servindo como referência
para o exercício da cidadania e da liberdade.
A
Declaração Universal dos Direitos Humanos condena, explícita e veementemente, a
tortura e a escravidão. Entretanto, esses direitos básicos continuam sendo
violados, diariamente, sem que haja qualquer reação de fiscalização e punição.
Urge,
pois, uma reflexão sobre o que vem ocorrendo, porquanto, entre as mais
estarrecedoras e sórdidas desventuras que assolam a humanidade, está a frieza,
a indiferença e o desamor, resultantes da banalização do sofrimento alheio.
Na
América Latina persiste a prática da violência institucional, tanto pelas
organizações policiais quanto pelos grupos de tortura e extermínio instituídos
e mantidos pelos próprios governos.
No
Brasil, ao longo da última década, houve várias iniciativas que, efetivamente,
contribuíram, no que diz respeito ao cumprimento das garantias dos direitos
humanos, tais como: em l990, foi aprovado o Estatuto da Criança e do
Adolescente; em l995, foi criada a Comissão Especial para Investigação dos
Desaparecidos Políticos; em l996, foi lançado o Plano Nacional de Direitos
Humanos; em l997, foram sancionadas as leis que caracterizam a tortura e porte
ilegal de armas como crime.
Entretanto, a Anistia Internacional informa que o Brasil, lamentavelmente, não vem cumprindo com a integralidade do “Plano Nacional dos Direitos Humanos”, a exemplo do ocorrido com a morte de dezenove integrantes do Movimento dos Sem-Terra, em Eldorado dos Carajás, em abril de 1996, e tantas outras barbáries como: Carandiru, Candelária, Favela Naval, e muitas mais.
Senhor
Presidente, Senhores Vereadores e demais presentes. Que no alvorecer do último
milênio possamos todos buscar, com ações concretas de solidariedade, através
das organizações populares, e da conscientização coletiva, o usufruto pleno do
sagrado direito de cidadania e de liberdade, com base no respeito mútuo e nas
decisões sujeitas à aprovação da maioria”. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não
revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: A Ver.ª Maristela Maffei está com a
palavra, como convidada e em nome da Bancada do PT.
A SRA. MARISTELA MAFFEI: (Saúda os componentes da Mesa e demais
presentes.) Sr. Presidente, Srs. Vereadores, Senhoras, Senhores, companheiros e
companheiras. Certa vez alguém me dizia: Cada minuto é uma lágrima. Cada
lágrima, uma dor. Cada lágrima, uma história. E a história, quase sempre
mascarada. Mascarada, mascarando a morte e a forma da morte.
Nós,
neste momento, estamos reunidos num momento muito simbólico. Simbólico porque
traz inserida em cada coração, aqui, a dor da história mascarada. A dor das
coisas que ficam implícitas. Daquilo que é velado e daquilo que é escondido.
Nós estamos aqui de cabeças erguidas na continuidade da história e na luta pela
vida. Nós somos a seqüência de tantos companheiros que tombaram pela vida. Não
apenas aqui, mas na América Latina e nos países empobrecidos, porque eu
acredito, - como muitos de nós acreditamos -, que não existe esse termo
“pobre”, mas nós acreditamos que a grande parte dessa sociedade é uma sociedade
empobrecida. E, empobrecido não é apenas no sentido daqueles que foram
excluídos, como é grande parte da humanidade, mas o empobrecimento da cultura;
o empobrecimento da educação, o empobrecimento dos valores e, aqui, entram os
nossos valores morais.
Quando
uma sociedade chega quase no ano 2000 e os valores são trocados do ser pelo
ter; onde o novo Deus é o mercado; onde os valores humanos são trocados como
mercadoria, aí nós temos que nos questionar! Temos que questionar: que
sociedade é essa? A que ponto nós estamos chegando? Até onde nós vamos com
esses valores com que nos deparamos? E esse é um questionamento não apenas para
nós que acreditamos que é dessa forma que a sociedade se encontra. É um
questionamento para aqueles que têm, hoje, sim, o poder da filosofia que
perpassa sem nós percebermos. Na formação intelectual, na formação da cultura,
no poder, no mundo capitalista, que é o que tem de fato o grande poder nas
mãos. O poder dos meios de comunicação que chega na casa de cada um de nós sem,
muitas vezes, nós percebemos qual realmente é o interesse que há por trás
disso. Essa é uma tortura da qual muitas vezes não nos damos conta. Essa
tortura nos cala muito forte e, no nosso País, um País subdesenvolvido, eu faço
uma pergunta: quem, de fato, mais sente essa dor? Homens e mulheres é claro, mas,
principalmente, nós mulheres, que somos, em primeiro lugar mais empobrecidas;
em primeiro lugar mais discriminadas; em primeiro lugar quem mais sente de
perto a falta de emprego, a falta de respeito, a falta de espaço. Quando não
sofremos dentro dos nossos lares o preconceito e também, infelizmente, o
machismo tão exacerbado da nossa sociedade e, muitas vezes, dos nossos
companheiros. Sofremos quando chegamos aí fora, na disputa do mundo do
trabalho, sofremos porque somos mães e não conseguimos compartilhar com os
nossos companheiros o tempo, a atenção e a estrutura necessários para os nossos
filhos, sofremos e muitas vezes temos que ficar caladas, sofremos a punição de
não termos um espaço verdadeiro.
É
contra isso que nós queremos gritar, porque um povo sem história é um povo
morto. E se nós não recordarmos a história nós não temos vida, porque a
história é contada por poucos. E ainda bem. Temos alguns espaços e o
proponente, nosso companheiro, Ver. Antônio Losada, está hoje nos
proporcionando esse espaço, para que possamos expressar, na nossa simplicidade,
mas com a nossa história, com a nossa luta, a vontade de gritarmos, e dizermos
que além deste espaço nós vamos continuar criando e construindo a nossa
história, porque construir a história não é apenas escrevermos ou lermos um
livro por alguém que, muitas vezes, não conhecemos a sua história, mas a
história do dia-a-dia daqueles que têm a responsabilidade da transformação
desta sociedade.
Agradeço
este momento tão importante, tão significativo na nossa vida, dizendo que a
luta continua. E, com certeza, o Direito Universal de homens e mulheres, porque
esse dia é dos homens e mulheres, e principalmente daqueles que têm a condição
e a vontade política revolucionária de transformar as relações humanas desta
sociedade um compromisso de vida e de dignidade. Muito obrigada. (Palmas.)
(Não
revisto pela oradora.)
O SR. PRESIDENTE: Ouviremos
agora, o Coral das Crianças do Colégio Concórdia sob a regência do maestro
Moisés Dornelles e coreografia de Ana Cristina Alves, interpretando as músicas:
“Hino dos Pequenos Cantores”; “Exultai, é Natal”; e “Semente do Amanhã”.
(Executam-se
as músicas.) (Palmas.)
Queremos
agradecer ao maestro Moisés Dornelles e a todos componentes do Coral das
Crianças do Colégio Concórdia pela sua magnífica apresentação. A primeira
lembrança que tive é para ver se acertávamos com o Coral para virem se
apresentar, conosco, no Cinquentenário da Declaração Universal dos Direitos do
Homem, mas achei que era muita pretensão da minha parte, então ficamos
acertados que daqui a alguns anos faremos uma nova Sessão na Câmara, com os
adolescentes já amadurecidos, e teremos o nosso Coral aqui se apresentando e
que, tenho certeza, irá muito longe pela qualidade de seus integrantes.
Convido
agora, a vocalista Valência Losada, Alex de Souza, no violão e Rodrigo
Delacroix, na percursão, para intrerpretarem as músicas "Coração civil” e
“O que é?”
(Executam-se
as músicas.) (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE: Com
a palavra a vocalista Sr.ª Valência Losada.
A SRA. VALÊNCIA LOSADA: Quero agradecer a presença de todos, e,
especialmente ao Ver. Antônio Losada pela oportunidade de estarmos aqui. Esta
solenidade tem por objetivo o cinqüentenário dos Direitos Humanos, mas
esperamos que seja efetivado tudo aquilo que diz o documento: que as pessoas
deixem de passar trabalho; deixem de morrer de fome, que percam o medo e
consigam sobreviver. Muito obrigada.
(Não
revisto pela oradora.)
O SR. PRESIDENTE: Registramos a presença da Sr.ª Judith
Dutra, esposa do ex-Prefeito e, agora, Governador eleito, Olivio Dutra.
Queremos
agradecer à vocalista Valência Losada, ao violonista Alex de Souza e ao
percussionista Rodrigo Delacroix, pelas interpretações que fizeram, dando uma
marca especial para esta Sessão que deixou de ser Solene para ser uma Sessão
onde se cantam, proclamam e defendem os direitos humanos.
Culminando
com o registro que fizemos da data, nós queremos anunciar, com muita
satisfação, o Prof. Doutor José Vicente Tavares dos Santos, que brilhará com o
pronunciamento acerca da data que hoje transcorre e que estamos assinalando
nesta sessão especial.
Antes
de passar a palavra ao Prof. José Vicente que, ainda há pouco recordava as
nossas ligas ao movimento estudantil organizado, em meados dos anos 60,
queremos, por dever de justiça, mencionar meus companheiros de Mesa que não
puderam estar presentes nesta ocasião, pois se encontram envolvidos em tarefas
muito fortes, próprias deste final de ano legislativo. Consideramos um
privilégio conduzir esta Sessão Solene, especialmente importante porque foi
requerida pelo Ver. Antônio Losada, cidadão que conhecemos nesta Casa e que
aprendemos a respeitar pela sua trajetória de homem coerente em que pese ver o
mundo sob uma vertente de lógica e doutrinária diversa da minha, o faz com muita
clareza e, sobretudo, com muita coerência. Então, nesse dia em que nós
proclamamos, homenageamos e registramos os 50 anos dos Direitos Humanos, me
permito fazer esse registro numa homenagem que faço a um lutador, meu colega e
Ver. Antônio Losada.
Com
satisfação passo a palavra ao Prof. Doutor José Vicente Tavares dos Santos está
com a palavra.
O SR. JOSÉ VICENTE TAVARES DOS SANTOS: Ex.mo Sr. 3º Secretário da
Câmara Municipal de Porto Alegre, Ver. Reginaldo Pujol, no exercício da
Presidência; Ex.mo Sr. Ver. Antônio Losada. (Saúda os componentes da
Mesa e demais presentes.) (Lê.)
“A
comemoração dos cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem
permite a evocação do valor fundamental e universal expresso por aquele
documento: o ser humano e o reconhecimento da dignidade humana. Afirma, ainda,
Franco Montoro, em ‘Cultura dos Direitos Humanos’, como ‘valores universais, os
direitos humanos básicos: o direito à vida, à liberdade, à segurança, à
educação, à saúde e outros tantos, que devem ser respeitados por todos os
Estados e por todos os povos’.
‘A
evocação das mutações dos direitos humanos no contexto do processo de
globalização indica o problema de uma sociabilidade nova e de construção de uma
cidadania mundial. Viabiliza, também, a inclusão do multiculturalismo como um
dos novos direitos coletivos’, segundo Boaventura de Souza Santos, em ‘Pela mão
de Alice’ que tem resultados, veremos, para a compreensão da relação entre os
direitos humanos e as novas questões sociais globais.
Os
direitos humanos são direitos históricos, atravessando várias etapas dos países
capitalistas centrais. Chamados direitos de primeira geração, os direitos
civis, os quais asseguravam as liberdades individuais, ou sejam, o direito à
vida, o direito à liberdade, o direito à propriedade. Em seguida, as revoluções
políticas, na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, são instituídos os
direitos de segunda geração: os direitos políticos, de autonomia, de
representação e do contrato social configurado no estado nação.
Sabemos
que o multiplicar das lutas sociais, na era do capital, levou a consolidação
dos direitos sociais, direitos de terceira geração, os quais reconhecem
direitos coletivos que asseguram a liberdade da população, através do estado,
expressos no direito do trabalho, do direito a educação e a saúde, e no direito
a segurança, enquanto segurança pública. Na segunda metade do século XX, a
quarta geração de direitos configurou-se enquanto a época dos direitos da
diferença específicas, pois escreve Norberto Bobbio, em ‘A Era dos Direitos.’
‘Afirmação dos direitos é ao mesmo tempo universal e positiva e caminha na
direção da multiplicação de direitos e de sua diversificação, através da
consolidação e do privilegiamento da sociedade civil, em relação ao Estado’.
Os
direitos coletivos, da diferença específica, dos direitos de quarta geração,
poderiam ser exemplificados no direito à função social da propriedade
fundiária, o direito ecológico, nos direitos da condição feminina, nos direitos
da diversidade de orientação sexual e no direito ao multiculturalismo, e no
direito emergente a uma segurança cidadã e a uma instituição policial marcada
pela contemporaniedade, o que certamente implica profundas mudanças
institucionais.
Entretanto
as relações de sociabilidade passam por uma nova mutação, mediante processos
simultâneos de integração comunitária e fragmentação social, de massificação,
de individualização, de ocidentalização e desterritorialização. Como efeito dos
processos de exclusão social e econômica, inserem-se as práticas de violência
ou violação de direitos como norma social particular de amplos grupos da
sociedade, presentes em múltiplas dimensões da violência social e política
contemporânea.
A
perspectiva do intercâmbio cultural reafirma Octávio IANNI, em ‘A Sociedade
Global’, surge como uma das para configurar o processo da globalização,
propondo o conceito de transculturação como ferramenta explicativa de
realidades tão complexas, ao mesmo tempo, com características nacionais e
mundiais. Nesse passo, novos dilemas e problemas sociais emergem no horizonte
planetário.
Entre
as rupturas que se recriam, emergem os fenômenos da violência e as dificuldades
da sociedade e dos estados contemporâneos em enfrentá-los, pois afirma Anthony GIDDENS, em ‘Para além da Esquerda e
da Direita’ que: ‘O problema da democracia (...) está intimamente ligado a uma
dimensão adicional da modernidade: o controle dos meios de violência.’
Tal
dificuldade expressa os novos limites da formação política da modernidade, pois
‘ ... o Estado perde o monopólio da violência legítima que durante dois séculos
foi considerada a sua característica mais distintiva (...) Em geral os Estados
periféricos nunca atingiram na prática o monopólio da violência, mas parecem
estar, hoje, mais longe de o conseguirem do que nunca’, conforme Sousa Santos.
A interação social passa, portanto, a ser marcada por estilos violentos de
sociabilidade, invertendo as expectativas do processo civilizatório. (BOSI;
HARVEY). Estado, por conseguinte, apresenta dificuldades em garantir a ordem
pública, por ela estar internacionalizada e privatizada, e de contribuir à a
construção do consenso, pois as bases da comunidade não mais existem em
sociedades complexas e com o mundo do trabalho desestruturado, restando uma
impossível opção pelo crescimento das funções de controle social repressivo da
polícia, com o apelo sistemático ao uso da violência ilegal e ilegítima.
Nesse sentido, a nova morfologia do social
produzida pelo processo de formação da sociedade global apresenta múltiplas
dimensões, as quais podem ser assim sintetizadas:
Produziram-se,
além da metamorfose das classes sociais, outras transversalidades na produção
da organização social, tais como as relações de gênero, as relações raciais, as
relações de grupos culturais e entre dispositivos poder-saber.
Em
segundo lugar, multiplicaram-se as formas de organização dos grupos sociais,
para além dos interesses sócio-profissionais, mediante as infindáveis
possibilidades de associações, em torno de interesses e objetivos variados. As
coletividades desencadeiam diferentes modalidades de formas de representação e
de mediação política, aquém e além dos partidos, tais como as organizações
não-governamentais reconhecidas pelos governos e organismos internacionais como
mediadores legítimos entre os cidadãos e o Estado.
O
Estado cede passo à sociedade, visto estar sendo acossado tanto em nível macro
- pelas formas supra-estatais, como diversas organizações da ONU e os variados
acordos de integração regional e as empresas transnacionais – como a nível
micro, pelos exercícios de diversas redes de poder entre os agentes sociais.
Nesse
sentido, desencadeiam-se vários processos de formação e de consolidação do
tecido social por grupos que organizam conflitivamente seus interesses
particulares e se articulam em poliformes contratos de sociabilidade. Mudanças
nas instituições, tais como a família, escola, processos de socialização, as
fábricas, as casernas, as prisões, pois todas essas instituições do Estado
moderno passam por um profundo processo de crise e desinstitucionalização.
Portanto,
há uma pluralidade de diferentes tipos de normas sociais, levando-nos a ver a
simultaneidade de padrões de conduta, muitas vezes divergentes e incompatíveis,
como, por exemplo, a violência configurando-se como linguagem e como norma
social para algumas categorias sociais, em contraponto àquelas denominadas de
normas civilizadas, marcadas pelo autocontrole e pelo controle social
institucionalizado. (ELIAS.)
Há uma visibilidade e uma conceituação da importância das lutas sociais, não apenas enquanto resistência mas também com positividade: lutas minúsculas, plurais, uma negação das formas de exercício da dominação.
As
questões sociais, desde o século XIX centradas em torno do trabalho (CASTELS),
por conseqüência, se tornam agora
questões complexas e globais, pois várias são as dimensões do social que passam
a ser questionadas, entre elas, a questão dos laços sociais.
Daí
por que vimos a assistir transformações do mundo do trabalho marcadas pela
precarização, pelo desemprego, pelo processo de seleção/exclusão social.
As
profundas transformações no mundo rural, desde a questão global da fome até as
inovações tecnológicas e as novas formas de organização produtiva, como a
agricultura familiar, bem como as atuais lutas sociais pela terra em diferentes
países que configuram uma luta global pelo direito à terra.”
Nesse
sentido, caberia enfatizar que os fenômenos da violência na sociedade
contemporânea apontam um processo de dilaceramento da cidadania, provocando ameaça
de um estado de controle social repressivo. Portanto, a ameaça de estarmos
diante de formas contemporâneas de controle social, que acompanham a crise do
estado-providência que nos ameaça com o estado repressivo.
Entretanto,
essa quarta geração de direitos humanos específicos, que esta data tanto
comemora e que desencadeia um processo de difusão por toda a sociedade, dessas
reivindicações universais do ser humano e dessa reivindicação universal pela
dignidade da pessoa humana e contra a impunidade, ao mesmo tempo, está-se
desenvolvendo nesse limiar do século XXI um processo de constituição de novas
questões sociais globais, muitas vezes, até, estimuladas pelos efeitos
excludentes de políticas neoliberais, que desencadeiam novos conflitos sociais
e, muitas vezes, em vários países do mundo - principalmente na periferia do
mundo capitalista - vêm a ameaçar a consolidação da democracia.
Neste
momento, o panorama mundial, marcado exatamente por tais questões sociais
globais, paradoxalmente, apresenta um novo internacionalismo, não agora, apenas
o internacionalismo de correntes políticas, mas o internacionalismo fundado em
problemas sociais planetários, tais como a violência, a exclusão, as
discriminações por gênero, os vários racismos, a pobreza, os problemas do meio
ambiente e a questão da fome. Para responder a tais processos sociais globais
impõe-se, portanto, reconhecer, não apenas a garantia dos Direitos Humanos,
mas, também, a diversificação nas alternativas de desenvolvimento para as
sociedades contemporâneas, tanto no centro como na periferia do sistema global.
Exatamente, a partir da América Latina, a partir das sociedades, como a
Brasileira, e de Estados como o Rio Grande do Sul e esta Cidade, - que esta
Câmara tão bem representa -, interessa discutir o modo de participar na
sociedade global a partir da periferia e indagar acerca do desenvolvimento das
capacidades de inovação em práticas alternativas de gestão publica, organização
social e de participação social.
Seria,
então, possível pensar a partir de uma Cidade, de um Estado e de um País, a
construção de uma cidadania transnacional ou mundial, marcada pela criação
institucional e pela difusão e comunicação de práticas sociais, jurídicas e
simbólicas inovadoras, globais e universais. Tanto a reinvenção de formas de
solidariedade quanto a redefinição do trabalho em múltiplas relações sociais,
tanto no espaço rural como no espaço urbano, quanto a prevenção e erradicação
das formas de violência social e que todos devemos combater. E neste
espaço/tempo mundial, desenvolve-se uma cultura da Resistência na Era do
Globalismo e na Pós-Modernidade, muitas vezes marcada por ser uma cultura da
fronteira ou uma cultura transnacional.
Porém,
mais do que oposição a um padrão hegemônico, pode-se observar um processo mundial
de produção social de novas concepções de sociedade, reconhecendo, como o
grande Sociólogo português Souza Santos que, neste final de Século, a única
utopia realista é a utopia ecológica e democrática. Portanto, em oposição a uma
forma cultural da globalização hegemônica, que o mesmo autor denomina de
“Pós-Modernidade Reconfortante”, parece ser possível pensar em um estilo
intelectual e um modo de representação do mundo e de criação do mundo
caracterizada por uma pós-modernidade inquietante e rebelde, a qual reconhece
as profundas transformações sociais do capitalismo na era do globalismo, mas
mantém e recria, reatualiza na linha histórica do pensamento insurgente que
marcou a modernidade, uma utopia que tem como horizonte a crítica e a rebeldia
intelectual, que desenha projetos emancipatórios capazes de visualizar, para
todos, alternativas de uma sociedade democrática pós-moderna multicultural e
capaz de realizar, de modo radical, aqueles projetos que a modernidade não pode
realizar, os projetos sociais e políticos de construção de uma nova
solidariedade, de reafirmação da dignidade humana e de garantia da liberdade e
da ação coletiva dos processos sociais globais.
Exatamente
a possibilidade de visualizar esse tipo de alternativa nasce das lutas sociais
de nossa sociedade, de nossa cidade, de nosso tempo. Lutas sociais, cujo
momento importante, principalmente durante a luta contra a ditadura militar e
na luta pela transição democrática; lutas sociais que consistiram em lutas de
defesa dos direitos humanos e de denúncia da violência política e social, lutas
que hoje se reatualizam, definindo como objeto específico em embate, uma nova
noção de direitos humanos, entre as quais está o direito à segurança, dentre as
quais estão os direitos à diferença específica, todos eles elaborados a partir
de uma nova relação sociedade civil/Estado.
A
orientação dessas lutas orientadas por uma outra forma de governo da cidade,
retorna às origens grega, da polis e da politéia, enquanto “conjunto das
instituições necessárias ao funcionamento e à conservação da cidade” e da
sociedade, incluindo o direito coletivo a todas as quatro gerações de direitos
humanos hoje comemoradas.
Neste
sentido, a realização dos direitos humanos, dos direitos civis, políticos,
sociais e contemporâneos, essa realização é essencial para a consolidação da
democracia em nosso País, pois impõe “a institucionalização” - lembra Paulo
Sérgio Pinheiro – “de políticas públicas capazes de impedir a prática de graves
violações de direitos humanos, muitas vezes, ainda, com impunidade garantida e
que põe em risco a construção de um estado de direito”, válido para todos os
cidadãos.
Tais
questões substantivas para o processo de democratização parecem configurar os
dilemas da passagem para um outro padrão civilizatório. Em particular, as
possibilidades do “retorno aos valores da ética nos múltiplos campos da cultura
e da vida social”.
O
debate público e a difusão dos direitos humanos, na sua complexidade e na
perspectiva dos direitos da diferença específica, pode ajudar a trilhar as
múltiplas veias de compreensão das questões sociais globais, na esperança de a
consciência coletiva possa desvelar as faces e processos da garantia dos
direitos humanos e, assim, contribuir para a consolidação da democracia nas
sociedades contemporâneas.
Esta
comemoração na Câmara Municipal de Porto Alegre, por proposição do Ver. Antônio
Losada e promoção da Mesa Diretora, na pessoa do seu Presidente Luiz Braz, em
muito vem a dignificar esta data e a contribuir a difundir a cultura dos direitos
humanos em nossa Cidade. Muito agradecido por esta honrosa oportunidade.
(Palmas.)
(Não
revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Ao mesmo tempo que cumprimentamos, em
nome desta Casa, o Professor José Vicente Tavares dos Santos, Diretor do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Rio Grande do Sul,
pela sua erudita intervenção, queremos transmitir a todos que nos prestigiam um
convite do Vereador Antônio Losada para que, após a cerimônia, conheçam a
exposição alusiva a esta data, que se realiza em frente a este Plenário. Será
oferecido aos visitantes, também, um coquetel em que poderemos confraternizar,
tanto pela convivência da data festejada quanto pela oportunidade, como bem
asseverou o nosso palestrante, de exercitarmos em sua plenitude, aqui na Casa
do Povo de Porto Alegre, a discussão, a lembrança, a reflexão e o debate em
torno de temas que não envelhecem, pelo contrário, permanecem presentes em
nosso cotidiano de luta pelos mais elementares direitos do homem à vida, à liberdade,
à saúde, à educação e à cidadania.
Fazemos
um agradecimento especial ao Major Irani Bernardes de Souza, representante do
Comando-Geral da Brigada Militar; Prof.ª Ana Lúcia Silva Tomazi, representante
da Direção Colegiada do SINPRO; Presidente do Conselho de Cidadãos Honorários
de Porto Alegre, Dr. Israel Lapchick e nossa prezada amiga, esposa do nosso
ex-Prefeito e Governador Eleito Olívio Dutra, Sr.ª Judith Dutra, pelo prestígio
que nos deram com as suas presenças.
Convido
a todos para que, de pé, ouçamos o Hino do Rio Grande do Sul, como marco do
término desta importante reunião que, por iniciativa do Ver. Antônio Losada,
realizamos no dia de hoje.
(Executa-se
o Hino Rio-Grandense.)
(Encerra-se
a Sessão às 20h50min.)
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